Os espíritas e os desafios da era digital

Nos debates que giram em torno do tema “os espíritas ante os temas da atualidade”, observa-se uma tendência recorrente: fala-se muito sobre os problemas do mundo contemporâneo — excesso de uso da internet, isolamento social provocado pelas telas, riscos da superficialidade digital — mas raramente se volta o olhar para dentro das próprias instituições espíritas. Falta, nesse ponto, uma autocrítica institucional sincera, capaz de reconhecer como os centros têm lidado (ou deixado de lidar) com as transformações digitais que já fazem parte do cotidiano da humanidade.

Um dos sinais mais claros dessa lacuna é a resistência às transmissões online. Muitos centros espíritas só recorreram a elas por necessidade, durante o período da pandemia, mas tão logo retornaram as reuniões presenciais, interromperam qualquer continuidade digital, alegando que o público “precisa estar presente para sentir a energia”. Esse argumento espiritualista, porém, encobre uma dificuldade prática: falta de preparo e de disposição para integrar o digital como parte natural da vida comunitária. O resultado é a exclusão de pessoas acamadas, idosos, trabalhadores em horários incompatíveis e moradores de outras cidades, que haviam encontrado nas transmissões uma forma real de se conectar.

Outro ponto problemático está no uso das redes sociais. A maior parte das páginas de centros e federações espíritas funciona como um quadro de avisos digital: cartazes com datas de palestras, fotos do palestrante e títulos, quase sempre repetindo o mesmo padrão estético. Raramente se criam conteúdos originais pensados para a linguagem contemporânea — reels, podcasts, enquetes, caixas de perguntas, vídeos curtos explicativos. Assim, enquanto igrejas evangélicas, grupos de meditação ou até canais ateus exploram intensamente a comunicação digital, muitos centros espíritas permanecem invisíveis para o público jovem e para quem busca espiritualidade de forma prática e rápida.

Mesmo quando há iniciativas de produção de conteúdo, a linguagem utilizada costuma permanecer arcaica. É comum encontrar no YouTube gravações estáticas de palestras de uma hora, sem edição, cortes ou interação, em que o expositor lê trechos longos de livros em tom monótono. O valor doutrinário pode ser grande, mas a forma de apresentação não dialoga com a forma como as pessoas consomem informação hoje, em conteúdos objetivos, visuais e dinâmicos. A consequência é que a mensagem perde alcance, e muitos que poderiam se interessar acabam desistindo logo nos primeiros minutos.

Essa falta de autocrítica revela também uma contradição entre discurso e prática. O movimento espírita se apresenta como progressista, racional e universal, mas na prática, muitas instituições ainda evitam discutir abertamente temas sociais contemporâneos como desigualdade, diversidade, meio ambiente e política. Quando essas questões emergem no ambiente digital, a reação costuma ser o silêncio ou respostas evasivas, temendo polêmicas. Isso gera uma imagem de distanciamento em contraste com o ideal de engajamento com a realidade humana.

Ao falar dos “desafios da atualidade”, portanto, as instituições espíritas frequentemente apontam para fora, mas hesitam em refletir sobre suas próprias limitações. O ambiente digital não é apenas uma ferramenta de divulgação, mas parte integrante da vida social e cultural de hoje. Negar ou subutilizar esse espaço significa perder contato com as novas gerações e comprometer a missão de universalizar a mensagem espírita. Se a Doutrina é atemporal, sua comunicação precisa ser atual. Isso exige rever práticas tradicionais, adotar novas linguagens e sobretudo aceitar a crítica construtiva como caminho de crescimento. Afinal, não basta analisar os problemas do mundo atual; é necessário que os próprios centros espíritas aprendam a viver coerentemente esses desafios dentro de suas estruturas.