A vida continua — e continua melhor quando caminhamos juntos

A solidão, quando não encontra palavras nem gestos que a simbolizem, pode se tornar insuportável. Ela toca o ponto do desamparo fundamental: o sujeito sente-se sem Outro, sem chão, sem voz. Nesse estado, pensar em abandonar a própria vida aparece como tentativa de dar um ponto final a uma dor que não se deixa nomear. Não é vontade de partir em si, mas desejo desesperado de interromper um sofrimento sem tradução.

O problema é que, historicamente, tanto na cultura cristã quanto no espiritismo influenciado pela moral católica, esse ato foi tratado como “pecado”, como “falha moral” ou como “castigo automático”. Essa leitura, além de cruel, fecha o caminho do acolhimento. Coloca a culpa no indivíduo, quando a raiz é mais complexa: envolve o inconsciente, os laços sociais, as ausências de cuidado e o sofrimento psíquico que atravessa cada existência.

No Espiritismo progressista, precisamos resgatar a lucidez de Kardec: ele não fala em inferno nem em punição eterna, mas em consequências naturais dos atos. Não castigo divino, mas continuidade da vida. O suicida, na leitura espírita honesta, não é réu — é alguém que não conseguiu sustentar o peso do seu próprio vazio. Isso exige empatia, não julgamento.

A psicanálise nos ensina que, quando a palavra falta, o corpo ou o ato falam. O Espiritismo, em sua essência, ensina que a vida é processo, não sentença. Aproximar essas visões significa enxergar o suicídio não como “crime espiritual”, mas como expressão radical de um sujeito em desespero. Em vez de condenar, é preciso abrir espaço para simbolizar, acolher, criar laços.

Setembro Amarelo não é sobre alertar com slogans frios, mas sobre dar ao outro alguns minutos de escuta verdadeira, um gesto simples que faça ponte entre um eu fragmentado e um mundo que parece hostil. É nesse pequeno farol que a solidão se transforma — não porque some, mas porque encontra companhia para ser atravessada.

O Espiritismo progressista tem o dever de ser essa presença. Não de erguer tribunais espirituais, mas de oferecer companhia humana e consciência crítica. Ligar para a solidão do outro é, no fundo, reafirmar o princípio central da Doutrina: a vida continua — e continua melhor quando caminhamos juntos.