Quando foi que trocamos Kardec por autoajuda barata?

O diagnóstico de que a sociedade moderna fabrica mediocridade serve também como lente para entender o movimento espírita brasileiro. Se o mundo contemporâneo valoriza a pressa em detrimento da profundidade, o espiritismo nacional reproduz esse padrão ao trocar o estudo crítico de Kardec por frases prontas e romances emocionais. A chamada mediocridade intelectual, descrita como preguiça de pensar, está presente quando centros inteiros vivem de repetir o que Chico ou Divaldo disseram, sem se perguntar se isso tem lastro em Allan Kardec. Repetem-se mantras, mas evita-se reflexão.

A mediocridade emocional também aparece com clareza: a experiência reflexiva, que deveria despertar o espírito para a imortalidade e a responsabilidade, foi substituída por práticas anestésicas. O passe virou uma espécie de calmante espiritual, músicas melosas ocupam o espaço da reflexão filosófica e reuniões se transformaram em encontros de autoajuda. Assim como no mundo moderno buscamos dopamina em likes e notificações, muitos espíritas buscam um alívio imediato para o vazio, em vez de enfrentar o silêncio e a profundidade que a doutrina exige.

Já a mediocridade moral é talvez a mais gritante. O espiritismo nasceu contestador, ousando enfrentar Igreja e ciência materialista. Hoje, no entanto, reina a covardia: os centros evitam falar de política, escondem-se diante das injustiças sociais e silenciam diante das deturpações internas. Muitos sabem o que é certo, mas preferem se calar por medo de serem ridicularizados ou rotulados de “complicados”.

O resultado é um ambiente hostil à excelência. Quem tenta pensar diferente, estudar o espiritismo historicamente ou questionar a FEB, logo é atacado ou silenciado. Em vez de celebrar a profundidade, a comunidade premia a repetição. Isso não é um acaso, é um mecanismo de controle: assim como a sociedade prefere cidadãos dóceis e previsíveis, o movimento espírita prefere fiéis obedientes, satisfeitos com pouco, que não ofereçam riscos ao sistema estabelecido.

A pergunta final, portanto, ecoa no coração do espírita que não aceita a mediocridade: você está vivendo o espiritismo autêntico que escolheu, ou apenas a versão empobrecida que a coletividade desenhou para você?