“Nossa simpatia, como a de todos os espíritas, naturalmente vincula-se a todas as ideias progressistas, bem como a todas as instituições que tendam a propagá-las.”
— Allan Kardec, Revista Espírita, março de 1867
1. O Espiritismo nasceu para dialogar com o futuro
O Espiritismo surge em meio à efervescência intelectual do século XIX, num tempo em que o mundo descobria a eletricidade, a fotografia, a liberdade e a razão como novas formas de luz.
Allan Kardec não cria uma religião para substituir as antigas, mas um movimento de ideias que se propõe a caminhar lado a lado com o progresso.
Por isso, desde sua origem, o Espiritismo é uma doutrina que não teme o novo, pois reconhece o progresso como lei divina e a razão como instrumento da fé.
Mas, com o passar do tempo, parte do movimento parece ter esquecido essa vocação. Muitos centros transformaram o legado kardeciano em um espaço de conservação, onde o consolo é valorizado, mas a reflexão crítica é vista com desconfiança.
Assim, a Doutrina que nasceu para libertar consciências, muitas vezes se acomoda no papel de conforto religioso.
2. O medo de ser progressista
Falar em “Espiritismo progressista” ainda soa provocativo para alguns.
Mas se a Doutrina Espírita é, por definição, uma filosofia de progresso — individual e coletivo —, por que tanto medo de tocar nos temas do nosso tempo?
Há uma confusão antiga e perigosa entre:
- Doutrina neutra e doutrina omissa;
- Respeito ao pluralismo e silêncio diante da injustiça;
- Caridade individual e responsabilidade social.
O resultado é um discurso moral que fala de amor e justiça sem se comprometer com as consequências práticas desses valores.
Fala-se em “melhoria do mundo”, mas evita-se discutir o que, de fato, precisa mudar no mundo para que isso aconteça.
3. Progresso é tensão, não acomodação
Kardec foi, antes de tudo, um homem de ciência.
Seu método era o da dúvida metódica: observar, comparar, questionar, revisar.
A Doutrina, em sua estrutura, é um convite à inquietação — não à inércia.
Por isso, tensionar conceitos, atualizar linguagens e revisar interpretações não é trair Kardec, é honrá-lo.
O verdadeiro espírito kardeciano não é o da letra que congela, mas o do pensamento que se move.
O Espiritismo deixa de ser ciência quando tem medo de pensar, e deixa de ser fé quando tem medo de mudar.
4. O que são ideias progressistas hoje?
Quando Kardec fala em “ideias progressistas”, ele se refere a tudo aquilo que eleva a dignidade humana, liberta o pensamento e aproxima a humanidade da fraternidade real.
No século XXI, essas ideias se traduzem em causas concretas:
- O combate à desigualdade e à miséria;
- A defesa da liberdade de consciência;
- A valorização da diversidade humana;
- O respeito ao meio ambiente;
- A inclusão social e racial;
- A educação moral e cidadã.
Falar de progresso espiritual sem incluir essas dimensões é falar de asas sem corpo.
A caridade, hoje, precisa ser entendida como transformação estrutural, não apenas como socorro emergencial.
Não basta aliviar a dor — é preciso compreender o sistema que a produz.
5. Comunicação espírita: entre o consolo e a consciência
A comunicação espírita vive um dilema: entre confortar e provocar.
Por muito tempo, falamos para acalmar, mas esquecemos de educar para a autonomia.
É mais fácil oferecer respostas prontas do que convidar à reflexão.
Mas uma fala que não emancipa, ainda que seja doce, não transforma.
Falar de Espiritismo hoje é um ato de tradução: traduzir o Evangelho em gestos sociais, a filosofia em escolhas éticas, a fé em responsabilidade política — no sentido mais amplo e humano da palavra.
É hora de descer o Espiritismo do púlpito e fazê-lo caminhar nas ruas, nas redes, nas causas.
6. Fiel à essência, livre na forma
O Espiritismo é vivo.
Sua grandeza não está na imutabilidade das palavras, mas na coerência dos princípios.
Podemos mudar as formas, os métodos, as linguagens — contanto que o eixo moral permaneça: a lei de amor, justiça e caridade.
Ser progressista, nesse contexto, é ser fiel à essência e livre na forma.
É entender que “fidelidade doutrinária” não é repetir o passado, mas continuar o trabalho do futuro.
É compreender que o Espiritismo não é o museu das ideias de 1860 — é a oficina viva da consciência humana em 2025.
7. Um chamado à coragem
Ser espírita é ser otimista em meio ao caos, e corajoso em meio à acomodação.
Não é possível falar de regeneração da Terra mantendo a mesmice das ideias.
O progresso é lei divina, mas é também tarefa humana.
Portanto, se o Espiritismo quiser continuar fiel à sua origem, precisa voltar a caminhar de mãos dadas com as ideias progressistas — com tudo o que impulsiona a humanidade para frente.
A neutralidade, quando o mundo sangra, não é virtude; é fuga.
E a fé que não se compromete com o sofrimento do outro é apenas crença, não é consciência.
O Espiritismo não veio para ser o eco do passado, mas a voz lúcida do futuro.
Ser espírita progressista é compreender que o Evangelho não é estático — é um verbo em movimento: amar, esclarecer, transformar.
